Dia 30 de agosto o Baixa Augusta viu e discutiu, depois de um longo inverno só discutindo, sem ver, o primeiro filme do semestre: LEONERA.
Em uma das cenas mais tocantes de
Do Outro Lado da Lei
(2002), a polícia de Buenos Aires comemora o Ano-Novo com muitos tiros
para o alto, mesmo sabendo que o estoque de munição é escasso no
dia-a-dia. Em
Leonera (2008), na mesma época do ano, vemos subir os fogos de artifício, mas eles estão muito além do muro do presídio.
Essa melancolia, também presente em outro filme do diretor argentino
Pablo Trapero já exibido no Brasil,
Família Rodante, é um sentimento portenho acima de tudo. Tem a ver com o tango: encenar um
espetáculo
(os fogos, as festas, o drama da dança) para dar conta de um sofrido
estado de espírito. Nessa linha quem-canta-seus-males-espanta, a música
infantil que abre
Leonera faz todo o sentido. É um filme de gosto agridoce que celebra a vida, ainda que conte uma história de morte.
Morte num sentido literal e também figurativo. Julia (
Martina Gusman) está sendo presa com a acusação de matar o namorado em uma situação incerta, que também envolve o suposto amante (
Rodrigo Santoro)
do namorado. A perspectiva, se condenada, é que fique uns oito anos
encarcerada no presídio feminino local - a morte simbólica. Acontece que
Julia está grávida, então vai parar numa ala que mais parece uma
creche. Ali há
alegria e melancolia em tudo - a começar pelas paredes cinzentas de concreto, coloridas com os rabiscos das crianças.
"Leonera", em espanhol, é o lugar onde se mantêm os leões. No
caso, as leoas. Trapero mais uma vez despudoriza os corpos, atrás de
extrair significados, e é uma imagem forte ver o barrigão de Julia no
chuveiro do presídio. Não é o caso, no entanto, de um cineasta que se
encanta com o próprio talento. Quando arruma uma imagem que transborda
simbolismo - como o filho que brinca se balançando na grade da cela -
Trapero ainda assim mantém o plano com uma duração econômica. Não corta
rápido demais a ponto de perdermos o significado, e não se alonga a
ponto de explorar a imagem em "proveito próprio".
Essa humildade, podemos chamar assim, com que Pablo Trapero conta
histórias acessíveis, com narrativas clássicas, mas forradas de signos, é
o que lhe tem rendido reconhecimento. Não por acaso, a Videofilmes de
Walter Salles é uma das produtoras de
Leonera, que foi exibido em Cannes 2008 e pontua uma trajetória iniciada com o prêmio da crítica no Festival de Veneza em 1999, com
Mundo Grúa. Os filmes de Trapero são do mundo, falam de temas universais - e não deixam de ter coração portenho.
FONTE:
Cinema Omelete