quarta-feira, 17 de outubro de 2012

O IIusionista

9 de novembro, 19,30 horas

“L’Illusionniste” é o novo filme de animação do conceituado realizador francês Sylvain Chomet, que ganhou fama e prestigio com “Les triplettes de Belleville” (2003). “O Mágico” é uma homenagem às antigas formas de entretenimento, os ilusionistas, os ventríloquos, trapezistas e palhaços, mas é mais do que isso, é uma homenagem ao cinema mudo e ao mestre Jacques Tati.

Baseado num argumento originalmente escrito por Tati, em 1956, em dedicação a uma filha ilegítima que teve e que nunca chegou a ser realizado. Sylvain Chomet adapta esta história para a animação, pois de outra maneira não seria possível realizar este argumento. A história é passada na década de 50 numa altura em que a cultura pop começa a substituir as outras formas de entretenimento. Tatischeff (nome de nascença de Tati) é um ilusionista que percorre o mundo realizando espetáculos de magia em várias salas de teatro e Music Halls. A sua carreira está em vias de extinção, pois o mundo está em constante evolução e o público esquece-se desta arte, que é a magia. Tatischeff vê-se obrigado a apresentar o seu espetáculo num “pub”, na costa ocidental escocesa. Aí conhece Alice, uma jovem rapariga muito inocente, que fica imediatamente encantada com o mágico. A rapariga segue-o e passa a viver com ele como se fosse sua filha. A partir daqui, a vida de Tatischeff mudará para sempre.

A personagem Alice é de uma rapariga inocente que acredita na magia de Tatischeff. Ingenuamente, Alice pensa que pode ter tudo na vida com um simples truque de magia. Mas, infelizmente não é assim e ela acaba por perceber isso. Um palhaço abatido prestes a suicidar-se, um ventríloquo que vende o seu boneco e um trio de trapezistas que se “vendem” ao mundo da publicidade, são a imagem de um mundo em mudança que representam as velhas artes caídas no esquecimento.

A narrativa parece muito simples, mas pelo contrário é bastante complexa. É uma história com muitas características biográficas de Tati, o que faz com que este esteja sempre presente em todo o filme, em espírito, claro está. A própria personagem do ilusionista é a figura de Tati, a maneira como anda, como reage aos imprevistos, todos os tiques de Tati estão lá. E para que não restem dúvidas, o realizador Chomet oferece-nos uma bela surpresa, com a cena em que o ilusionista entra num cinema e depara-se com um filme de imagem real, protagonizado pelo próprio Tati (o filme “O Meu Tio”). O público sai da sala com a sensação de ter visto um novo filme de Jacques Tati, porque de facto, durante os oitenta minutos de duração do filme, Tati esteve sempre presente. E não é por acaso que foi Chomet a realizar este argumento, pois Chomet é um descendente de Tati, como se viu no primeiro filme “Les triplettes de Belleville”. O estilo de Chomet é um estilo muito pausado, com diálogos quase inexistentes, dando valor ás imagens e à ação, com muita mímica. Como se pode ver, quem conhece os filmes de Jacques Tati, sabe que tem o mesmo estilo de um cinema mudo.

O ilusionista é um filme que impressiona e fascina pelo seu visual. O desenho de Chomet é magnifico, com um traço clássico do desenho á mão. A nível técnico, Chomet, conseguiu misturar muito bem o digital com o desenho à mão. Todo o brilho, as cores e as belas paisagens, remetem-nos para aquela época. A banda sonora composta por Chomet é belíssima.

Chomet criou um filme mágico e dramático. É um filme que nos faz rir e chorar, com um final surpreendente. “O Ilusionista” é a prova de que o cinema de animação tradicional ainda está vivo e que não precisa do 3D para nada. Um dos melhores filmes do ano e um dos melhores filmes de animação de sempre. Um filme genial, adulto, subtil e belíssimo!

Persépolis

5 de outubro, 19,30h



Persépolis foi inspirado no romance gráfico (HQ) autobiográfico homônimo da autora iraniana Marjane Satrapi. O filme foi dirigido pela autora em colaboração com o cartunista francês Vincent Paronnaud.
        “Marji” é a filha de oito anos de uma família iraniana de esquerda. Família culta, moderna e ocidentalizada, faz com que desde pequena Marji participe de todas as verdades sobre sua família e seu país, como quando o pai da garotinha lhe explica a realidade do governo do Xá, pois ela não entendia a revolta das pessoas, já que aprendera na escola que os xás foram “escolhidos por Deus”. Através da narrativa pessoal de Marji veremos a história, os costumes, as relações familiares e sociais no Irã no período de 1978 até os anos 90.
        Durante este período a história do Irã muda radicalmente e isso vem a interferir profundamente na vida dos iranianos e ainda mais na vida de nossa sensível protagonista. Desde os anos 40 o país é governando pela dinastia do Xá Reza Pahlavi (imperador), que tem apoio (e controle) dos EUA, por questões “petrolíficas”. A população descontente com tal situação ajuda que se propicie a Revolução Islãmica. Acontece a deposição do Xá e a posse do aiatolá Ruhollah Khomeini (chefe religioso). Antes o Irã era uma monarquia alinhada ao Ocidente, mas depois, sem a total consciência por todos disto, o país vem a se tornar uma brutal ditadura fundamentalista islâmica. Esse governo começou a controlar a vida de todos, no famoso e cruel estilo de governo que alia indissociavelmente política e religião. As mulheres são obrigadas a usarem a burca e impedidas de namorarem e qualquer vestígio de ocidente era banido e considerado como imoral.
        Marji vai descobrindo isto na vivência e nas conversas que há em sua casa, com a visita de pessoas como seu tio Annouche, um ex-preso político. A insegurança, o medo, o terror, pioram com a deflagração da guerra entre Irã e Iraque.
        A partir daí, então, que ela começa a viver os traumas da guerra, o autoritarismo do regime, tomando conhecimento das práticas de tortura, vendo a supressão da liberdade individual na educação na escola e no militarismo nas ruas. Assim, seus pais decidem então enviá-la para terminar seus estudos na Áustria. Ela vai para o país com um valioso conselho de sua admirável e feminista avó. Lá tem liberdade plena de ser e dizer que o pensa, faz amigos, descobre os bons e ruins do amor, erra e acerta. Depois de algum tempo, passado altos e baixos em sua estada na cultura ocidental de estado laico, num período cheio de descobertas e intensa vivencia, ela se sente uma alienada, exilada e retorna ao seu país e à sua família. De volta, ela e sua família vivem neste regime enganando as autoridades com coisas proibidas que lhes fizessem mais felizes, como festas e bebidas alcoólicas.
        As partes do filme em cores remetem ao presente, enquanto em preto em branco remetem ao passado, pois o principal faz parte do passado. O filme começa e encerra-se com Marjane em cores, já adulta, num aeroporto da França, com os olhos em Teerã, sua capital natal. Porém não consegue retornar, e volta de taxi, na eterna busca de uma vida melhor, mesmo tendo a nostalgia de sua infância com seus pais.
        Apesar de todo este conteúdo disfórico, com guerra, repressão, decepções, Marji dirige a narrativa com bastante humor ou até uma ironia risonha, que nos faz conhecer toda a história sem ser chata, acadêmica ou formal.    
    Como se pode ver, Persépolis trata de muitos temas. De tradições, educação, família, idealismos, choque de culturas, crescimento pessoal, liberdade, autoritarismo, repressão, política, religião, costumes, amores, ilusões e desilusões, heroísmo, revolução, raízes, comprometimento, lealdade, etc, mas, sobretudo dos absurdos praticados pela humanidade contra ela mesma, Persépolis nos demonstra a valorização da família, a busca da identidade própria e a necessidade de se buscar uma vida melhor. Tudo isso num realismo que só uma animação como essa poderia demonstrar.