Amor à Flor da Pele (Fa yeung nin wa) - 2000. Escrito,
dirigido e produzido por Wong Kar Wai. Direção de Fotografia
de Christopher Doyle, Pung-Leung Kwan e Ping Bin
Lee. Música Original de Michael Galasso e Shigeru
Umebayashi. Block 2 Pictures, Jet Tone Production e Paradis
Films / Hong Kong | França.
27 DE SETEMBRO, 20 HORAS
O olhar cineclubista do Baixa Augusta penetra esta fechadura:
Em Amor à Flor da Pele (2000), o cineasta
chinês Wong Kar Wai provou que é possível retratar os efeitos de
uma paixão arrebatadora através da linguagem cinematográfica, sem que para
isso seja necessário apelar para o excesso de cenas de sexo, ou de nudez. Todos
os aspectos do filme, incluindo trilha sonora, fotografia,
enquadramentos, figurinos e direção de arte, colaboram para tal e o resultado é
simplesmente impressionante, uma obra de arte tão bela quanto melancólica e tão
fascinante quanto a própria sensação de estar apaixonado; trata-se de um filme esteticamente belo,
dramaticamente consistente e muito bem sucedido em sua proposta. Sua história
gira em torno de um casal que vive uma paixão impossível de se concretizar,
devido ao fato de que ambos são casados e temem transpor as barreiras morais
que se levantam em torna da situação.
Na trama, ainda que resistam em assumir aquilo que sentem um
pelo outro, o jornalista Chow Mo-wan (Tony Leung Chiu Wai) e a
secretaria Su Li-zhen (Maggie Cheung) acabam alimentando um sentimento que
só se intensifica no decorrer da trama, a falta de contato físico e a não
consumação deste amor parece aumentar ainda mais a ardente paixão que sentem um
pelo outro. O roteiro explora tal situação de uma forma maravilhosa, todo o
desenvolvimento da história é sustentado pelos curtos passos que cada um dos
personagens tentam dar em direção ao outro, passos estes que ora parecem não
levar a lugar nenhum, ora aparentam distanciá-los ainda mais. Ao retratar
este sentimento reprimido, o filme levanta diversas questões morais, principalmente
acerca do adultério e da confiança depositada em outrem. A trama nos leva
a questionar onde de fato começam a traição e a culpa daqueles que a
cometem.
Chow e Su Li se mudaram no mesmo dia para um prédio decadente localizado em um subúrbio de Hong Kong, ambos, com seus respectivos cônjuges, alugaram quartos em minúsculos apartamentos. A pobreza do local nos salta aos olhos já nas primeiras cenas do filme. Paredes descascadas, instalações elétricas precárias e a claustrofobia proporcionada pela falta de espaço denotam alguns dos problemas sociais que a cidade/estado já vivenciava no início da década de 60, época em que o filme se passa. A vivência neste ambiente opressivo, a carência afetiva e a constante ausência de seus parceiros fazem com que Chow e Su Li acabem se aproximando um do outro e a cumplicidade que encontram nesta amizade aparenta aliviar as feridas provocadas pelos seus casamentos, que já estavam em crise antes mesmo de se conhecerem.
O efeito do choque entre tradição e contemporaneidade está evidente na trama, sendo potencializado pelo dilema criado em torno do relacionamento entre os personagens. O tradicionalismo da cultura oriental se manifesta através de pequenos costumes, dos tabus preservados e de outros traços presentes na vida cotidiana. Já os reflexos da pós-modernidade estão presentes na subversão de cada um desses elementos e no vazio existencial experimentado pelos protagonistas, que seria ao meu ver uma evidência do distanciamento emocional e da fragilidade dos laços e das relações que tentam construir. As reflexões fomentadas pelo filme nascem desta dicotomia entre passado e presente, mas também das questões morais que envolvem os personagens, questões estas que seriam de certa forma atemporais.
O decorrer do tempo tem uma importância enorme na trama, em diversas passagens são feitos closesem relógios e isso não é por acaso, a ideia é justamente mostrar que toda a ambientação está localizada em uma espécie de quebra temporal, onde o passado se encontra com o presente e o futuro, exercendo juntos efeitos sobre a vida dos personagens. O ritmo lento que o filme adota em seu desenvolvimento reforça esta ideia, é interessante a percepção de que não é possível saber ao certo quanto tempo se passou desde que os personagens se conheceram, podem ter sido dias, semanas ou até mesmo meses ou anos. A montagem ajuda a desconstruir a noção do decorrer do tempo, sem que haja para tal a necessidade de 'quebras' na narrativa, isso torna o desenrolar da trama um fluxo contínuo e ininterrupto, no qual predominam o desejo e paixão que o longa retrata tão bem através de seus elementos técnicos e artísticos.
Amor à Flor da Pele beira à perfeição em cada um de
seus aspectos, sua trilha sonora evoca nostalgia, melancolia e principalmente
sensualidade. A fotografia, aliada à beleza dos figurinos e da direção de arte,
constrói planos de um lirismo tão estonteante, que torna cada fotograma uma
obra de arte individual. Ao olhar para o filme como um todo, concluo que Kar
Wai Wong fez aqui uma obra-prima, que eu facilmente incluiria em minha lista
pessoal dos mais belos filmes das últimas décadas. Terminei de assisti-lo
ciente de que eu estivera diante de uma das mais belas expressões artísticas da
paixão. Recomendo!!!!!
Amor à Flor da Pele ganhou em Cannes o prêmio de Melhor
Ator (Tony Leung Chiu Wai ) e o Technical Grand Prize (pela edição e
fotografia).
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FONTE: Sublime
Irrealidade