Texto do prof. Marcos Silva, titular da História USP, a partir de sessão de 1o. de março do Cineclube Baixa Augusta.
Revi ontem o filme “Pasqualino sete belezas” (1975), de Lina
Wertmüller, com Giancarlo Giannini. A onipresença do ator marca muito o filme.
Há uma espécie de paródia crítica do latin lover, ao mesmo tempo em que o filme
explora a profunda tensão entre expectativa de riso e medonha tragédia em
andamento. Cenas patéticas reforçam a dor em cena.
A narrativa se dá numa Itália em guerra, sob o Fascismo.
Pasqualino se pensa alheio à política, confessa admirar Mussolini, repete os
chavões de propaganda fascista – controle sobre greves e desordens. Enquanto
isso, o personagem se esmera em fazer o que esperam que ele faça, com uma
imensa incapacidade para dizer não ao que dominam. Obedece ao chefão meio
mafioso (vingar a honra da família, atingida pela irmã que se prostitui),
obedece ao advogado que prostitui a irmã, obedece à médica no hospício, obedece
à sádica comandante no campo de concentração.
O horror contra a prostituição da irmã tem por
contrapartidas copular com uma louca totalmente amarrada numa cama do hospício
e, por fim, prostituir-se para a comandante nazista que o despreza e trata sua
ereção como mera demonstração em prol de sobrevivência.
Wertmüller opta por uma estética naturalista de
mostrar os piores horrores (interno do hospício emasculado, cadáveres aos
montes no campo de concentração), embora aproxime-se do heroísmo romântico
através do amigo de Pasqualino que pede para ser morto por ele diante de
prisioneiros e carcereiros nazistas, bem como do velho anarquista que opta por
se lançar numa medonha latrina à espera dos tiros que terminariam de matá-lo.
A diretora dialoga com a memória naturalista do Fascismo
construída, dentre outros, por Curzio Malaparte (A pele), com a destruição de
vestígios de humanidade operada pela guerra, incluindo a vasta prostituição que
marca a presença norte-americana pós-Fascismo.
Pasqulino faz o que os outros esperam dele e, nisso, vai se
destruindo passo a passo. Os planos finais do filme, com a imagem daquele homem
partida num espelho do pós-guerra, mais a constatação de que está vivo, sugere
uma possibilidade de mudança sem perder o conformismo: casar com a menina
prostituída que um dia amou, não mais obedecer aos outros mas evocar o
diagnóstico de um daqueles mártires românticos (o velho anarquista, que previa
um mundo superpovoado, onde as pessoas se matariam por um pão ou uma maçã),
esperar pela próxima catástrofe com alguma arma – a prole numerosa pretendida.
A herança de Pasqualino é uma infinita tristeza diante
daquele passado narrado (o nazi-fascismo da destruição em escala industrial)
mas também daquele presente em que o filme nasceu (ditaduras pelo mundo todo,
um suposto socialismo sufocante, o nazi-fascismo em novas roupagens). Se houver
alguma esperança é a desobediência pois a ordem destrutiva continua.
Marcos, gostei muito do seu texto, como já tinha gostado das suas observações na nossa conversa ao vivo sobre o filme. Sim, era palpável a tensão entre a promessa de comédia e os horrores que vão desfilando minuto a minuto. E me foi muito útil, para pensar o filme, a sua frase durante a conversa, sobre se tratar de alguém que não diz não.
ResponderExcluirLia Pitliuk
Colocar a sobrevivência própria como valor maior produz, na verdade, a sobrevivência... de um zumbi, não é mesmo?
ResponderExcluirLia Pitliuk